Descobri, há uns vinte anos, um escritor italiano chamado Gianni
Rodari. Andava pelas prateleiras de uma livraria em Coimbra, à cata de autores e
títulos que me despertassem a curiosidade e dei de caras com um título
original: Histórias ao telefone (título
original: Favole al Telefono). De pé,
junto da estante, li um pequeno conto do volume com o nome “O caçador desafortunado”. A história era a de um caçador cuja espingarda se
recusava, de certo modo, a funcionar. Melhor: era a história de uma espingarda
que, em vez de matar, divertia e, portanto, em vez de fazer vítimas, antes lhes
provocava alívio e as fazia rir.
O autor explicava que as histórias tinham sido fabricadas por um caixeiro-viajante
(o senhor Bianchi, da cidade de Varese), o qual, em obediência a um pedido da
filha, arranjava sempre uma fábula para cada noite. Como estava muitas vezes
ausente em viagem, o homem recorria frequentemente ao telefone…
Comprei o livrinho, claro. E, já em casa, deliciei-me com outras pequenas e
extraordinárias narrativas: “O palácio de sorvete”; “O passeio de um
distraído”; “A casa de estragar”; “A mulherzinha que contava os espirros”; “O
país sem ponta”; “O des-país”; “Os homens de manteiga”; “Alice Trambolhona”; “A
estrada de chocolate”; “A inventar números”; “Brif, bruf, bruf”; “A compra da
cidade de Estocolmo”; “Para tocar no nariz do rei”; “A famosa chuva de
Piombolino”; “O carrocel de Cesanatico”; “Na praia de Óstia”; “O rato da banda
desenhada”; “História do reino de Comilónia”; “Alice cai ao mar”; “A guerra dos
sinos”; “Uma violeta no Pólo Norte”; “O jovem caranguejo”; “Os cabelos do
gigante”; “O nariz desertor”; “A estrada para lado nenhum”; “O espantalho”; “A
brincar com a bengala”; “Velhos provérbios”; “Apolónia das compotas”; “A velha
tia Ada”; “O sol e a nuvem”; “O rei condenado à morte”; “O mágico dos cometas”.
Naturalmente, cada uma destas histórias não tem mais de duas-três páginas.
O próprio autor o explica, naquela espécie de introdução em que se fala do
senhor Bianchi: tratando-se de narrativas transmitidas “ao telefone”, nunca
poderiam ser relatos muito extensos…
Ao longo dos anos seguintes, em muitas ocasiões, dei a conhecer estas
histórias aos meus alunos. A minha mulher, que também é professora de
Português, fê-lo igualmente. E não me lembro de um só leitor que, no final de
cada leitura, não se tenha deixado seduzir pelo modo engraçado e inteligente de
contar histórias que caracteriza a literatura de Gianni Rodari.
Este autor nasceu em Omegna (Itália), em 1920, vindo a falecer em Roma, em
1980. Foi, além de escritor, um jornalista de reconhecido mérito. A sua obra
literária está traduzida em todas as línguas mais importantes.
No livro Histórias ao telefone, que
recomendo aos leitores com fome de fantasia, há lugar para o humor e para a
diversão – mas também para brilhantes notas poéticas que nos deixam a pensar,
comovidos e encantados. Ofereço-vos, já agora, um formoso passo que encontrarão
nas páginas 33-34, no final de uma história intitulada “A inventar números”:
«- Quanto pesa uma lágrima?
- Depende: a lágrima de um menino mimado pesa menos
que o vento, a de um menino esfomeado pesa mais que toda a Terra.» (Histórias
ao Telefone, de
Gianni Rodari, Lisboa, Editorial Teorema, 1987.)
Arco de Baúlhe, 25 de janeiro de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
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